Deusas Esquecidas: As Poderosas que a História Quase Apagou


Ao pensarmos em mitologia, os nomes que geralmente vêm à mente são os mesmos: Zeus, Thor, Hades, Poseidon, Odin, Apolo. E quando pensamos nas deusas, as mais lembradas costumam ser figuras como Atena, Afrodite ou Ísis — poderosas sim, mas que conseguiram resistir à força do tempo, do patriarcado e das religiões dominantes. No entanto, há um vasto universo de divindades femininas que foram esquecidas, apagadas ou rebaixadas ao longo da história, mesmo sendo, em sua época, centros de cultos, devoção e influência social.

Essas deusas esquecidas não desapareceram por acaso. Muitas foram varridas do imaginário coletivo por motivos políticos, religiosos ou sociais. À medida que impérios caíam, religiões monoteístas cresciam e culturas eram absorvidas por outras, muitas dessas divindades femininas — que personificavam a natureza, a sexualidade, o conhecimento, a fúria e a fertilidade — foram sistematicamente apagadas ou transformadas em símbolos negativos.

Um exemplo emblemático é o de Inanna, da antiga Mesopotâmia. Antes de Ísis, antes de Vênus, Inanna já era reverenciada como deusa do amor, da guerra e da fertilidade. Seu culto remonta a mais de 4.000 anos. Inanna não era uma figura passiva — ela descia ao submundo por vontade própria, enfrentava deuses, exigia poder, se apaixonava, fazia sexo, chorava, vencia batalhas. Ela era completa, humana em suas contradições. Com o passar dos séculos, Inanna foi assimilada por outras culturas e se tornou Ishtar, depois Astarte, e acabou reduzida ou associada a arquétipos femininos inferiores, muitas vezes demonizados.

Outra figura apagada da memória coletiva é Anat, deusa da guerra e da fertilidade na mitologia cananeia. Ela era adorada como protetora feroz, que lutava ao lado dos deuses e punia com violência quem ameaçasse sua ordem. Quando as culturas patriarcais tomaram o poder religioso na região, Anat foi transformada em uma figura perigosa, quase demoníaca. Sua presença foi considerada excessiva para uma mulher — e então ela foi retirada dos panteões principais, ou reduzida a lendas folclóricas menores.

Na tradição nórdica, nomes como Freyja ainda têm algum reconhecimento, mas outras deusas como Skaði (deusa do inverno, da caça e das montanhas) e Sif (associada à fertilidade da terra) foram deixadas nas sombras, quase sempre eclipsadas por seus pares masculinos, como Thor ou Odin. Essas figuras femininas eram igualmente poderosas, detentoras de saberes antigos e guardiãs dos ciclos naturais, mas raramente são lembradas fora dos círculos especializados em mitologia.

Mesmo em culturas indígenas e africanas, o esquecimento atingiu muitas divindades femininas com a chegada da colonização e das religiões europeias. Diversas orixás femininas foram ocultadas, sincretizadas ou reinterpretadas de forma incompleta. Muitas vezes, os aspectos de poder, sexualidade livre ou liderança dessas figuras eram suavizados para caberem em moldes mais “aceitáveis” dentro das novas crenças.

A pergunta que ecoa é: por que essas deusas foram esquecidas? A resposta, embora complexa, passa por uma simples verdade: a força feminina sempre foi temida. Mulheres que lideram, que desejam, que lutam, que dominam os elementos e os mistérios da vida e da morte — essas figuras sempre incomodaram as estruturas dominadas por homens. E quando uma civilização perde sua deusa, ela não perde apenas um mito: perde uma forma de ver o feminino como sagrado, completo, poderoso.

Resgatar essas deusas esquecidas não é apenas um exercício de curiosidade histórica. É também um ato de reconexão com partes profundas da experiência humana que foram silenciadas. Em suas histórias, muitas vezes perdidas em fragmentos de tabuletas, textos rasgados ou lendas orais, estão ecos de outras formas de ver o mundo, onde o divino era múltiplo, fluido e onde o feminino não era marginal, mas central.

Falar dessas deusas é dar voz ao que foi enterrado. É lembrar que antes dos deuses barbudos dos céus, existiram deusas que governavam céus, terras, rios, vulcões, corações e destinos. Poderosas, complexas, emocionais, racionais, ferozes e amorosas — como toda a humanidade.

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