No vasto universo da pedagogia, poucos nomes se destacam de forma tão marcante quanto o de Célestin Freinet. Nascido em 15 de outubro de 1896, em Gars, na França, Freinet foi um educador revolucionário que acreditava profundamente no poder transformador da educação e, acima de tudo, na capacidade das crianças de se expressarem, aprenderem com a vida e construírem seu próprio conhecimento de forma ativa, crítica e cooperativa.
Freinet não foi um teórico distante da sala de aula. Sua pedagogia nasceu do chão da escola, da vivência concreta com os alunos, especialmente em contextos rurais e populares. Sua proposta educativa foi uma resposta direta às limitações da escola tradicional, baseada na memorização, na autoridade e na passividade dos estudantes. Em vez disso, Freinet sonhou — e construiu — uma escola centrada no trabalho, na cooperação, na liberdade de expressão e no respeito ao ritmo de cada criança.
Raízes de uma pedagogia viva
A experiência de Freinet na Primeira Guerra Mundial, onde foi gravemente ferido, teve um impacto profundo em sua visão de mundo e em sua prática docente. Ao retornar para a sala de aula, com dificuldades respiratórias que limitavam seu trabalho com a fala, passou a utilizar técnicas alternativas para se comunicar com os alunos. Foi nesse contexto que começou a explorar o uso da imprensa escolar, um dos pilares de sua pedagogia.
Para Freinet, as crianças deveriam escrever não para satisfazer exigências escolares, mas para comunicar suas ideias, sentimentos, descobertas e experiências. Através do texto livre, os alunos podiam escrever sobre o que desejavam, e esses textos eram depois revisados coletivamente, impressos e compartilhados com a comunidade escolar. Assim, o ato de escrever deixava de ser apenas um exercício técnico e se tornava um verdadeiro instrumento de expressão e comunicação.
Os princípios da Pedagogia Freinet
A pedagogia de Freinet se fundamenta em alguns princípios essenciais que, até hoje, influenciam práticas educativas em todo o mundo:
1. Texto livre
Como mencionado, o texto livre é talvez a técnica mais emblemática de Freinet. Nele, a criança escreve com liberdade, desenvolvendo sua criatividade, pensamento crítico e domínio da linguagem. O texto é valorizado, publicado e discutido, criando um ambiente de escuta ativa e valorização da produção infantil.
2. Imprensa escolar
Com o uso de pequenas prensas tipográficas, os alunos editavam jornais com seus textos e os trocavam com outras escolas. Essa prática incentivava a comunicação entre diferentes comunidades escolares, promovendo uma rede de trocas e aprendizagens.
3. Correspondência escolar
Freinet estimulava a troca de cartas entre escolas, permitindo que as crianças conhecessem outras realidades, culturas e modos de vida. Essa prática ampliava o horizonte dos alunos e incentivava o respeito à diversidade.
4. Aula-passeio
A aprendizagem deveria estar conectada à realidade. Assim, as aulas-passeio permitiam que os alunos observassem o mundo ao seu redor — o campo, a cidade, os ofícios, os fenômenos naturais — e trouxessem essas observações para a sala de aula, transformando-as em textos, desenhos, experimentos e reflexões.
5. Trabalho cooperativo
A sala de aula, para Freinet, deveria ser um espaço de cooperação, não de competição. As atividades eram organizadas de forma que os alunos pudessem trabalhar juntos, ajudando-se mutuamente e assumindo responsabilidades pelo coletivo.
6. Planos de trabalho
Em vez de um currículo rígido e centrado no professor, Freinet propunha que os alunos tivessem planos de trabalho individualizados, respeitando seus interesses e ritmos de aprendizagem. O professor atuava como um mediador, orientando e acompanhando cada trajetória.
A escola como laboratório de vida
Freinet via a escola como um espaço de vida, de criação, de construção coletiva. A aprendizagem não deveria ser um processo artificial, desconectado da realidade dos alunos. Pelo contrário, tudo que se aprende deve fazer sentido, ter propósito, partir das experiências concretas das crianças.
Ele foi um dos primeiros educadores a defender uma educação centrada no aluno, não apenas como slogan, mas na prática cotidiana. Em sua escola, os alunos tinham voz, escolhiam temas, decidiam junto com o professor os rumos do trabalho. A autoridade era construída no diálogo, não imposta pela força.
Legado e atualidade de Freinet
Embora tenha falecido em 1966, o pensamento de Freinet continua extremamente atual. Em um mundo cada vez mais marcado pela padronização, pela pressa e pela superficialidade, sua proposta nos convida a desacelerar, escutar mais as crianças, confiar em suas capacidades e construir uma escola mais humana, democrática e significativa.
Muitos dos desafios enfrentados por Freinet no século XX ainda estão presentes: escolas desmotivadoras, ensino descontextualizado, desvalorização do trabalho docente. No entanto, suas ideias seguem como um farol para educadores que acreditam que é possível — e necessário — fazer diferente.